2.4.14

"Pretendo fazer um mestrado sobre o uso de psicotrópicos e os acidentes de trânsito" O emocionante relato de Carla

Meu nome é Carla, visitei sua página na internet e confesso que senti muito alívio. Eu (...) sou servidora pública, (...) após realizar algumas denúncias de corrupção no órgão em que trabalho, passei a ser assediada moralmente. Olha que já enfrentei muita derrota nessa vida, perdas, doenças, frustrações, privações, enfim... Mas nunca tive depressão, nunca precisei recorrer a um psiquiatra.

Depois das humilhações que passei no meu trabalho, decidi ir a um psiquiatra para pegar um encaminhamento a um psicólogo (pelo meu plano de saúde esse procedimento é obrigatório). (...) Após contar a ansiedade que eu estava sentindo ele me receitou um ansiolítico e um remédio para dormir e disse que minha doença era tão real quanto um braço quebrado. Na fragilidade em que eu me encontrava pensei: “ braço quebrado não se resolve com conversas, vou tomar os remédios”. O médico só receitava marcas, me deu amostras grátis, disse que a minha vida mudaria, que eu iria me redescobrir. Fiquei animada. De repente minha agitação nata poderia ser eliminada.

Comecei com a medicação. No prazo de uma semana estava oito quilos mais magra. Tinha lapsos de memória, desenvolvi anorexia e bulimia. Nada parava no meu estômago. Comecei a ter desmaios, visão nebulosa, surtos de agressividade e ideias suicidas (eu sempre ameiiiiiiii a vida). Minha mãe ficou desesperada. Eu chorava copiosamente dia e noite. Meu rosto se deformou de tanto inchaço. As minhas pernas estavam pretas de hematomas das quedas que eu levava. Tive que cortar os cabelos porque não conseguia mais desembaraçá-los. Uma noite entrei em estado de pré coma. Minha vida virou um inferno.

Retornei ao psiquiatra dia 05 de dezembro. Contei tudo o que estava acontecendo. Minha mãe estava no consultório comigo. O médico, para nosso espanto, me passou mais cinco medicamentos tarja preta, disse que eu engordaria 10 quilos até o dia 29. Eu saí com mais duas doenças novas, dentre elas a depressão. Ele teve a cara de pau de afirmar que eu tinha depressão oculta desde que nasci e que só foi revelada após eu iniciar a medicação. Para completar me receitou um remédio para esquizofrenia, que segundo ele só servia para dormir.

Resumo: saí do consultório com uma sacola de amostras grátis de drogas. Joguei tudo no lixo e decidi me livrar daquilo de vez. Eu mal sabia que o inferno só estava começando. Tive alucinações, ouvia pessoas se enforcarem do meu lado. Não me segurava nas pernas, sentia um punhal perfurando minha garganta, meu corpo inteiro formigava. Morro de pena da minha mãe que teve que presenciar tudo isso, logo eu, que nunca sequer fumei maconha...

No dia 9 decidi acabar com a minha vida. Chorei muito pedindo perdão a Deus, mas eu não suportava mais aquela infinita dor que eu desconhecia. Caí na cama exausta e acabei dormindo enquanto eu decidia como iria morrer. Nisso eu tive um sonho, meio pesadelo, que parecia mais uma dessas alucinações.
(...)

Acordei suada e aos prantos. (...) Acordei querendo devorar o mundo de fome. Uma amiga me apresentou a acupuntura e o uso de florais. Nunca mais caí, recuperei o peso e a memória. Sinto-me muito feliz e agradecida...
(...)

Cheguei a ir em uma psicóloga que me disse que eu não posso mudar o mundo, me aconselhou a não me aborrecer com o desvio de dinheiro público que acontecia debaixo das minhas fuças. Porém a minha consciência não me permite ignorar certas coisas, por mais que eu seja a primeira a me ferrar com a minha indignação. Quer saber, quem precisa de tratamento é ela que sofre com o transtorno da conformidade e o psiquiatra, que sofre com o transtorno da avareza.

Hoje, tão pouco tempo depois, sinto imenso orgulho de quem sou. Não precisamos “curar” a nossa personalidade. Quase fui levada a morte por querer fazer o que é certo, enquanto os normais vivem suas futilidades sem grandes crises existenciais. Busco auto conhecimento para me auto aceitar melhor a cada dia. Nunca mais vou permitir que um estúpido diplomado venha me dizer que as minhas peculiaridades são doenças. Conselhos são apenas uma forma travestida de bondade para praticar a intolerância.
Hoje tenho um plano para tentar impedir aquele traficante de jaleco de continuar envenenando as pessoas. (...)

Graças a Deus saí dessa sem maiores sequelas. Não troco minha ansiedade por droga nenhuma no planeta. Só pra constar, o concurso que fiz para analista contava com apenas uma vaga e foram quase mil concorrentes por ela. EU CONSEGUI!!!!!!!!!!!!!!! Porque acreditei em mim e nos meus ideais. É por eles que sou tão feliz, é por eles que Deus me ajuda, é por eles que humanos idiotas me rotularam de louca.
Continuo de licença médica, mas pretendo voltar o mais rápido possível. Sei que a luta vai ser difícil, já estou sabendo que as minhas chefias estão aconselhando meus colegas a se afastarem de mim alegando que sou desequilibrada. Mas nada como estar lucidamente ansiosa e alegre para voltar ao “combate”. Depois que fui ao inferno e voltei tenho novo gás.

Pretendo fazer um mestrado sobre o uso de psicotrópicos e os acidentes de trânsito, (...) quero investir pesado nisso. Muitas pessoas devem estar perdendo suas vidas nas ruas desse país em decorrência direta ou indireta do uso de “drogas lícitas”. Quero encabeçar uma campanha nacional para alertar as pessoas sobre essa indústria mortífera da padronização de condutas e temperamentos. Imagina se todos os artistas, cientistas, historiadores etc fossem a um consultório psiquiátrico e/ou psicológico tratar de suas excentricidades???????????? O mundo com certeza seria mais tedioso e menos encantador.

Em suma, é um prazer poder dividir um pouco da minha experiência com você. Quero agradecê-lo por postar suas opiniões tão pertinentes na internet e com isso ajudar milhões de pessoas como eu, que sentem-se acolhidas ao perceber que não estão sós nessa forma de enxergar a medicina mental.
Desculpe a imensidão dos meus escritos (e olha que resumi hehehehehehe) mas não consegui ser mais sucinta. Tomara que o DSM não tenha nenhum registro referente ao uso demasiado de palavras.
Um abração enorme.
Sigamos loucos, mas sigamos felizes e honestos. Os normais que se explodam em suas mediocridades.

Nota: Eu omiti algumas coisas com reticências. Eu recebi este e-mail de Carla em 2012. Demorei todo esse tempo para publicá-lo porque precisava selecionar cuidadosamente o que seria melhor publicar e o que poderia ficar de fora. Sem dúvida, foi um dos mais emocionantes relatos que já recebi. Em minha batalha contra o preconceito, a discriminação e as prescrições exageradas de psicotrópicos, sempre me senti muito sozinho.

Pessoas como a Carla, a Ana Luiza, entre outros, me dão mais força. Volta e meia eu me canso de desenvolver estratégias para lidar com o enorme preconceito que sofro da parte de familiares.

Ana Luiza escreve em inglês, nos blogs Hella Heaven e JustAna, mas realmente eu acredito que ela deveria escrever em português, para tentar informar os brasileiros e todos que falam somente português. Muita das coisas que eu publico aqui eu tomo conhecimento nos blogs dela.

O plano de Carla de fazer um mestrado sobre o uso de psicotrópicos é fantástico. Essa é a melhor forma de criar conscientização no campo acadêmico.

Um comentário:

  1. Achei muito legal este blog, apesar de, ultimamente, me sentir tão cansado a ponto de não conseguir devorar tudo o que aqui já foi dito. Mas aos poucos vou descobrindo. Muito legal também a postagem da Cláudia.
    Resumindo como cheguei até aqui:
    No final de março, meu irmão mais novo começou a se autoagredir. Eu sempre desconfiei que o motivo dessas "crises" fosse clínico, e não mental. Então o levei a emergência de um hospital, onde foram feitos exames de sangue, urina, pressão e uma tomografia computadorizada. E nada foi constatado. Então parti para a psiquiatria. Antes, meu irmão, que nasceu com grave retardo mental, tomava meio comprimido de sertralina após o almoço, e, para dormir, tomava 10 gotas de neuleptil. Nessa época, ele era como uma criança de cinco anos, mas alegre, muito esperto e curioso. Na psiquiatria, foi feito um reajustamento de medicação. Agora ele tem que tomar Risperidona, Biperideno, Clonazepam (Rivotril), Clorpromazina e o Neuleptil. Já está na terceira semana que toma esse novo coquetel e sua feição é sombria, e não me parece mais feliz... Conversando com uma psiquiatra lá do hospital (onde foi feito o reajustamento) e ouvindo que o meu irmão tomaria todos aqueles medicamentos para o resto da sua vida, tomei raiva desses médicos e da psiquiatria (que não se humanizou). Comecei a pesquisar na internet. Foi quando encontrei este maravilhoso blog e também fiquei sabendo da face sombria desses medicamentos. Hoje é quinta-feira, e desde segunda-feira passada, comecei por minha própria conta a diminuir e retirar algum desses medicamentos (obviamente sem consultar os médicos). E percebi que ele melhorou algo. Mas temo que, se não clocar "algo" (mais saudável) no lugar, meu irmão tenha uma nova crise e eu vá, com a maior cara de babaca, pedir ajuda a esses psiquiatras...

    Sr. Ezequiel, o senhor tem algo a dizer sobre isso o que eu disse. Devo continuar? Procurar um outro psiquiatra? Partir para um tratamento alternativo?... Caramba! Ultimamente tenho andado com meu coração um tanto angustiado.

    Parabéns pela iniciativa de produzir este blog com informações deste teor. É como um bom pedaço de madeira em que podemos se agarrar enquanto, náufragos, a tempestade não amaina.

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Eu sempre publicarei todo tipo de opinião e ponto de vista. que NÃO INFRINJAM AS LEIS DO MUNDO, nem as leis da Internet.

Não são toleradas ofensas a nenhuma das pessoas que comentam.

Links para blogs e sites que falem de saúde mental são bem vindos, desde que não sejam sites criados para vender psicotrópicos.

As informações dispostas aqui são CONFIRMADAS através de várias fontes. A qualidade obtida aqui não se consegue da noite para o dia, mas sim de uma experiência de VÁRIOS ANOS.

Portanto, se houver algo a ser corrigido aqui, publique nos comentários, mas COM PROVAS, como eu faço.

Algumas pessoas, ao tomar medicações psiquiátricas ou drogas ilícitas, não sofrem efeitos adversos significativos (como vemos algumas pessoas que fumam a vida toda e morrem de velhice.) Portanto verei como normal algumas pessoas dizerem que nunca sentiram nenhum efeito colateral ao tomar determinado psicotrópico.

Mas qualquer indivíduo que escrever algo contra as informações técnicas mostradas aqui deve PROVAR IMEDIATAMENTE na mesma mensagem, do contrário terei que deletar.

Se quiser me contatar pode ser através de um comentário.

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