16.1.10

OS CASARÕES - Capítulo 3 (Relato: "louco" entrando no hospício)

OS CASARÕES

MEMÓRIAS NAS MEMÓRIAS - CAPÍTULO 3


No começo ele não podia sequer se lembrar do momento em que o levavam pelo hospital, quando eles o tinham pego e o estavam levando para tratamento. De alguma forma aquelas memórias próximas tinham sido apagadas. Aquelas memórias de pouco tempo atrás começaram a tomar forma quando seu irmão Ezequias disse: “você estava muito agressivo.” Mas aquelas eram memórias isoladas. Memórias separadas. A palavra “agressivo” o fez se lembrar daquele momento. Ele estava sendo levado para uma maca. Ele estava totalmente amarrado. Suas roupas estavam encharcadas de sangue, logo seus maiores medos lhe cruzaram a mente.

Ele devia ter cometido alguma violência. Talvez ele tivesse matado alguém! Senão por que estaria amarrado como um animal e carregado como um saco de batatas? Ele sempre fora um excelente lutador, tinha noções de Kung Fu, Jiu Jitsu, Karate, técnicas de Ninja... Ele poderia facilmente matar uma pessoa. Durante toda sua vida ele tinha temido o dia em que ele viria a perder o controle. “Coloca ele lá!” Disse um dos homens. Eles jogaram-no na maca como um gari joga o pesado saco de lixo no caminhão, aliviado quando se livra do fardo desagradável e mal-cheiroso. Como sempre, houve uma pausa em sua memória.

A próxima coisa que ele se lembrou foi quando ele sentiu uma dorzinha na canela esquerda. Ele não sabia o que estava acontecendo, então ele começou a agitar as pernas para que a dor e o desconforto passassem. Então ele viu o homem de branco ( dessa vez ele não se lembrava do que acontecera momentos antes, mas sua mente não estava muito confusa, então ele sabia que eram doutores e enfermeiros).

O enfermeiro fez cara feia e resmungou para o bombeiro que estava ao seu lado: “tá vendo?” O bombeiro entendeu a mensagem e começou a gritar com extrema violência: “abaixe as pernas! Abaixe as pernas, vamos! Abaixe as pernas, porra!” Estêvão não queria apanhar, nem sofrer nenhuma violência, por isso ele abaixou a perna.

E também ele não queria que mais violência fosse gerada naquele dia. Ele podia se lembrar de seu nome, mas não tinha as lembranças dos últimos dias. E sua mente era como uma como Internet barata que toda hora caía, a todo momento era desconectada. A cada momento ele ficava mais confuso. A cada momento as coisas sumíam de sua mente.

Quando ele chegou lá ele ainda podia se lembrar de suas experiências com línguas. Ele planejava facilitar o aprendizado de línguas para ele e para o mundo. Uma de suas últimas lembranças era exatamente pesquisas a esse respeito. Mas, de repente, as pessoas a seu redor falavam enrolado. O passar do tempo trazia confusão, não clareza. As pessoas falavam enrolado, logo ele não sabia sequer em que país ele estava. Primeiro, porque ninguém falava com ele como se ele fosse gente.

Num momento ele tentou chamar um dos enfermeiros, que apenas riu dele e disse “ele tá doidão ainda”. Num certo momento o homem de branco exigiu: “Vamos! O que você fez, cara!? Diga, rápido!” Estevão só podia dizer “não sei!.. Eu não me lembro.” numa voz bem pequena, bem frágil. Então seu irmão disse: “ele não se lembra, ele tomou injeção a pouco.”Mas tarde ele perguntou de novo: “Onde estou?”, “você está no lugar certo.”, respondeu um dos homens de branco, dessa vez, gentilmente. Foi uma resposta indireta, então Estêvão tentou novamente: “ Eu tô no hospício?”, perguntou com dificuldade. “É um hospital.”, corrigiu o homem, como se fosse um professor. “Hospital..” repetiu Estevão, como se para não esquecer mais, porém num sotaque espanhol que chamou a atenção do homem de branco: “É assim que se fala? Fala direito, vamos. Hospital.” “Hospital.”

Em um outro momento ele via seus irmãos, Estefania e Ezequias, falarem de seus sintomas: “ele estava agressivo, dizia que era Deus.”. Porém nada era perguntado a ele. Era como se ele fosse surdo e mudo. Era como se ele não fosse uma pessoa. Sua mente voava. Se ele estava sendo ignorado daquele jeito, talvez ele não fosse adulto, como sempre fora. Talvez estivesse em uma outra encarnação e aqueles não fossem seus irmãos, mas sim seus pais. Pais que cuidavam de uma criança que não podia falar...

Explicação deste capítulo de OS CASARÕES


OS CASARÕES conta a história real de um doente mental entrando no hospício e como é a recepção e, na sequência,como é o "tratamento".

Este capítulo enfatiza como os familiares passam a chamar os pacientes psiquiátricos de acordo com a forma usada pelos profissionais de saúde mental. Estevão nunca tinha ouvido seu familiar usar o termo "agressivo". Parecia um termo fora da realidade daquela família. Pessoas da realidade cultural daquela família naturalmente diriam "Você estava batendo em todo mundo" ou "Você me bateu".

Mas a pergunta do profissional de saúde mental é fácil de adivinhar: "Ele estava agressivo?" E fácil deduzir também que esses profissionais INDUZEM os familiares a dizer certas coisas.

Retrata também como um paciente psiquiátrico não tem a menor voz nessa acolhida no hospício. E na parte clínica, chama mais uma vez atenção para o completo esquecimento do paciente psiquiátrico após o surto.

Também chama a atenção para o fato que, quando profissionais de saúde mental tentam passar uma ideia de que paciente psiquiátrico é violento ele acaba por confundir mais ainda a cabeça desse paciente psiquiátrico, que nunca verá a violência, que no fundo é puramente estigma.

Esse capítulo também dá uma nota sobre a forma indiferente que a equipe dos hospitais e bombeiros lidam com alguém que acabou de sofrer um surto. Chama atenção para a forma que eles gritam com pacientes psiquiátricos. Não só por violência, talvez. Mas talvez por acreditar que para um "maluco" entender é preciso gritar. Foi isso que um amigo me disse uma vez...

Por fim mostra como esses profissionais de saúde mental tentam acreditar e fazer com que outros acreditem que um hospício é um hospital. Sabemos que na linguagem popular, o lugar onde pessoas são isoladas e tratadas como descrito nesse capítulo se chama hospício.

Para ver os primeiros capítulos siga o link OS CASARÕES.

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