O melhor de todos (A verdadeira vida de Ezequiel)

Os nossos governantes falham em não aproveitar o talento dos negros e pobres. Se houvesse um esforço dos governantes para buscar talentos nas favelas e comunidades pobres, muitos, em vez de se tornar criminosos, estariam contribuindo para a sociedade muito mais do que alguns ricos, que por serem ricos tiveram condições de serem chamados de gênios, mesmo quando não têm a metade do talento de muitos pobres que ingressaram no crime, por não lhes restar outra saída.

Não é fácil chegar a idade de 9 anos sem um pai, filho de mãe solteira, sendo pobre e negro, sofrendo todo tipo de preconceito e com medo de todos. Foi assim que meu irmão mais velho passou sua primeira infância. Até que meu pai se casou com nossa mãe, e deu seu sobrenome ao meu irmão.

A teoria de Freud está correta, a sociedade corrompe as pessoas. As injustiças e diferenças sociais da sociedade corrompem as pessoas. Se eu pudesse, voltaria no tempo da infância desse meu irmão mais velho e faria de tudo ao meu alcance para lhe dar opções, para aproveitar cada um de seus grandes talentos naturais. Pois se conseguíssemos tirar o melhor desse que foi um garoto pobre, negro e abandonado pelo pai legítimo, hoje teríamos um homem de caráter defendendo nosso mundo, e não um golpista que já se envolveu em crimes horríveis.

São vários os julgamentos de outros parentes, mas eles se esquecem que esses meus irmãos são, de fato, os homens negros da família, pois todo o resto da família é formado de pessoas mais claras; ou seja, nós temos primas negras, mas o único primo de nossa geração é branco. E o racismo é uma realidade. Eu confesso que não quero ver a cara desse meu irmão nem pintada, pois sei que ele já é viciado em dar golpes; mas também sei que, ao julgá-lo, devemos lembrar-nos das condições que fizeram que ele se corrompesse, para não sermos injustos.

Um mestre da retórica, que foi às estrelas. Em minha família, ninguém mostrou mais talento nato. Um gigante da encenação. Conquistador de multidões... Abaixo, eu descrevo como o conheci.

O irmão mais velho
Eu queria ver a água cada vez mais perto. A visão fantástica de água que não acabava mais. Alguém me disse que meu irmão mais velho tinha praticamente me mantido suspenso para fora da barca para que eu pudesse ter uma melhor visão. Não posso confirmar e nem negar esse detalhe insignificante. Ainda me lembro das bananeiras que cresciam quase dentro do mar. Aquela foi a primeira, e talvez a última vez que viajei de barca na vida. Estávamos indo visitar a casa de meu irmão mais velho, que morava em Niterói com sua mulher.

Parece que esse é o único irmão que tem os mesmos gostos que eu, em se tratando de mulher. Hoje, olhando para trás, não me resta dúvida de que a mulher dele foi a mais bonita mulher que meus irmãos já arrumaram. A mulher de meu irmão tinha uma filha de um outro relacionamento, que meu irmão insistia em salientar que ela era minha "sobrinha". Logo o meu irmão se mudava, junto com sua mulher, para a casa de minha mãe, na Baixada Fluminense. Na casa, um arranjo curioso aconteceu: um lençol separava o local onde meu irmão ficava com sua mulher. Logo eles tiveram um primeiro filho, que infelizmente morreu logo depois de nascer. Mas eles iriam ter VÁRIOS outros filhos...

Meu irmão mais velho era um tipo encantador. Praticava caratê, e me ensinou a fazer rolamentos. Eu não entendia bem o relacionamento entre os adultos naquela casa. Para mim, parecia que ele era um cara super legal. Mas pelo jeito, os mais velhos não concordavam tanto.

Filho contra pai
Num dia, o meu pai se irritou com ele e pegou uma barra de ferro que era usada para ajudar a fechar a porta e o atacou. Carateca, numa pose marcial, ele arrancou a barra de ferro da mão de meu pai e o acertou na testa com a mesma barra de ferro. Nós, os mais novos, vibrávamos com a exibição de caratê. Porém nossa irmã, já adolescente, não aprovou a coisa. Meu pai aparentemente queria que meu irmão fosse embora, mas depois do golpe, foi meu pai que saiu, com a testa machucada pelo golpe, sangrando. Naquela época, eu já sabia que esse meu irmão mais velho não era filho legítimo de meu pai. O que eu não sabia era que meu pai o tinha registrado em seu nome, dando a esse meu irmão mais velho um sobrenome que seu pai legítimo não tinha dado. Na minha cabeça eu já começava a concluir que golpear um homem que tinha quase 60 anos com uma barra de ferro era uma covardia, mais covardia ainda é golpear um pai dessa forma. E ao mesmo tempo, calculava que eu deveria estudar defesa pessoal toda a vida, para poder me defender de jovens de vinte e poucos anos quando tivesse a idade de meu pai. Eu acompanhei meu pai, enquanto ele saía da casa resmungando.

Surge um líder evangélico
Mas logo meu irmão começou a mudar. Ele entrou na igreja. Em pouco tempo ele começou a fazer cultos lá em casa, mas eram cultos caseiros, só com a participação dele, da nossa mãe e dos outros irmãos mais novos que ele. Até a mulher dele, que era incrédula também, converteu-se! Por ter entrado na igreja, nossa mãe passou a ajudá-lo. Logo nossa mãe cedeu uma parte do quintal para ele. Meu irmão logo construiu uma casa. Em pouco tempo ele se transformou num cristão fervoroso! A nova casa de meu irmão passou a ser cenário de cultos constantes, com toda a igreja! Ele começou fazendo cultos caseiros com a família, depois passou a trazer toda a igreja para a casa dele.

E logo, logo, ele conseguiu ter sua própria igreja! O talento de meu irmão era incontestável! A sua habilidade de reunir pessoas ao ponto de abrir uma igreja e atrair seguidores o colocam como o mais hábil de toda as família, o melhor de todos...

Continua em O ajudante do pastor

Tema musical da publicação: Luis Miguel - La Barca 2010 Leyenda (Letras)