Os familiares veem os profissionais de saúde mental amarrando os pacientes psiquiátricos na cama como se fosse o procedimento mais normal do mundo. E veem os profissionais de saúde mental mandando os pacientes psiquiátricos calarem a boca o tempo todo. Inconscientemente os familiares começam a proceder com agressividade e indiferença semelhante a usada pelos profissionais de saúde mental.
Num grupo de referência no CAPS, uma mãe contava que ela batia na filha para a filha respeitá-la. Eu apenas disse:
- Bater não é a solução. A gente sempre pode encontrar alguém mais forte que a gente que pode bater mais forte, e aí a coisa complica.
Pois a filha dela, por ser mais nova, OBVIAMENTE era mais forte fisicamente, e se decidisse reagir à violência covarde da mãe, a coisa ia ficar feia.
Quando uma mãe começa a bater numa filha de mais de 20 anos, é lógico que não haverá uma boa relação entre as duas. Muito menos haverá melhora psicológica numa mulher que apanha da mãe depois de adulta. Ela se via no direito de bater na filha, mas sequer cuidava. A filha era aposentada, mas benefício era recebido pela mãe, e a filha sequer via a cor do dinheiro. Era uma moça bonita, mas totalmente abandonada, em se falando de cuidados da beleza. Bonita, mas sem dentes numa idade bem jovem. Nem a mãe e nem o CAPS fizeram nada pela aparência dessa moça bonita, que provavelmente se sentia mais insegura por causa da falta dos dentes.
Quando profissionais de saúde mental amarram e gritam com pacientes psiquiátricos, eles estão ensinando os familiares a tratar os pacientes psiquiátricos assim também. E ao passar esse modelo de tratamento para os familiares, eles acabam por destruir as relações familiares entre o paciente psiquiátrico e a família, relações que já eram difíceis antes da doença mental.
E eles ensinam os familiares a mentir para os pacientes psiquiátricos, ensinam a colocar medicação nas bebidas sem os pacientes perceberem, enfim, ensinam os familiares a engambelar pacientes psiquiátricos.
Dessa forma eles destruíram a relação de vários pacientes psiquiátricos com seus familiares, e por fim acabaram de destruir a relação que eu tinha com minha família, que já não era muito boa. Ao ponto que eu percebi que ia ter que me afastar de toda a família.
Foram várias as vezes que eu busquei reunir os irmãos para falar sobre a discriminação e os terrores do atendimento psiquiátrico, terrores que levaram tios deles a morte. Houve um momento em que eu ouvi um irmão falar:
- Os doutores disseram que não tem que ouvir o que você diz!
Se uma pessoa é má atendida e os profissionais que atenderam mal dizem que não se deve ouvir a pessoa, a pessoa perdeu o direito de reclamar. Exatamente isso. Reclamar virou um sintoma. Como se todas as atrocidades que periodicamente acontecem nos manicômios não merecessem reclamação.
Os conselhos que os profissionais de saúde mental deram aos meus irmãos acabaram por destruir qualquer relacionamento que eu tinha com eles, relacionamento que já era bem conturbado. Eu tentei ao máximo manter contato; pois queria, de alguma, forma ajudar na recuperação desse irmão que foi expulso do bairro onde morava por estuprar a própria filha, e queria ajudar na recuperação do irmão que esteve preso por estupro também, enfim, queria contribuir de todas as formas possíveis.
Mas a coisa foi se complicando pouco a pouco, ao passo que eles iam aconselhando a minha mãe sobre como lidar comigo. Os conselhos foram piorando a relação entre eu e minha mãe. Até que o irmão que tinha sido preso por estupro veio morar aqui em casa, quando tinha prometido que só ia ficar alguns dias para fazer algumas obras. Isso acabou por destruir de vez qualquer relação que eu tinha com minha mãe.
Eu não pretendo virar mendigo na rua, mas pretendo arrumar outro lugar para morar, e não pretendo voltar a visitar essa família, e nem vou querer que saibam para onde vou. Não é nenhum rancor, mas não dá para tolerar ser tratado da forma que eu tenho sido tratado.
EU NÃO ACABEI AINDA. CONTINUO DEPOIS.
Crônicas e textos sobre saúde mental. Por melhores formas de tratamento do sofrimento psíquico. Pelo fim das internações psiquiátricas involuntárias. Por exames laboratoriais antes da prescrição de psicotrópicos. Pela promoção de tratamentos alternativos. Pelo cumprimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pelo fim dos abusos sexuais e exploração infantil.
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